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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Diários de Manuela (Parte 01)


"Comecei a ler e me apaixonei, confesso que foi indicado por uma amiga,estou muito grata por ter a honra de conhecer essa relíquia valiosíssima e resolvi dividir essa emoção com vocês."
 
Diários de Manuela


02 de Outubro de 1904
Olá. Sou Manuela de Paula Ferreira, e estes são meus diários imundos. Escrevo-os desde 1835, e desde então nunca parei. Já estamos em 1904. Moro em um pequeno sobrado no centro de Pelotas, embora isso não importe. Nunca saio de casa. Nunca. O único ser humano em que vejo nas últimas décadas é uma negrinha, criada da casa, antigamente uma escrava. Agora que não há mais escravidão, ela é paga, não para arrumar a casa ou cozinhar, mas para me fazer companhia.
Bueno, nos meus diários contarei algumas histórias, pensamentos e devaneios, que vivo tendo ao pegar a pena e o tinteiro e olhar para a rua, e para além dos pampas gaúchos. Histórias antigas, no tempo em que eu morava com minhas irmãs, primas e tias na casa de Dona Ana. No rumo da vida de cada um depois que a guerra terminou.; depois que Bento morreu. E principalmente falar do meu amor, Giuseppe, hoje morto em sua terra, morto na Itália, onde jaz ao lado de Anita.
Mas estas cousas não importam, pelo menos não agora. A chuva lá fora cai, cada vez mais forte. Aqui dentro uso o vestido há muito tempo feito para o dia que Giuseppe voltasse e me amasse. Hoje em dia em farrapos. As crianças que costumam passar todos os dias na rua, e me chamando de louca, voltam do colégio, correndo da chuva. Louca... Talvez eu seja louca. Talvez seja bom ser louca.

Estou com 84 anos, e jamais me casei. Depois que Giuseppe foi pelejar pros lados de Santa Catarina, jamais voltei a vê-lo. E a cada carta que chegava pelos carteiros da guerra, era uma faca que cravavam em meu coração: Giuseppe conhecera uma bela mulher em Laguna; Giuseppe e essa mulher lutavam lado a lado; O nome dela era Ana Maria de Jesus Ribeiro, e era uma brava, valente e forte mulher; Rumores falavam que Giuseppe e Ana Maria estavam enamorados; Giuseppe se casa com Ana Maria de Jesus Ribeiro, que fica conhecida como Anita Garibaldi; Anita Garibaldi está grávida de Giuseppe.
E o meu mundo começava a desmoronar. Giuseppe, que havia sido meu quando estava hospedado na Casa de Dona Ana, agora estava com outra. E então, por ser fraca, por ser frágil, jamais poderia ter acompanhado em uma peleja. Mas Anita pelejava com ele. Anita, ela era a mulher perfeita para o meu Giuseppe. Anita, aquela que eu mais desejei a morte. E ela morreu cedo, em meados de 1849. E o meu Giuseppe, desapareceu em 1882. Desapareceu longe de mim, longe de mim para poder ouvir suas últimas palavras. Giuseppe deixara o mundo sem ao menos dizer uma última vez que me amava. Mas seria mentira. Ele amava ela. Aquela Anita.
Mas vou le dizer, essas cousas do coração nos fazem viver. Vivo, por mais que sobriamente, e a morte não vem. Por mais que eu deseje, a morte não vem. Por mais que eu suplique... A morte não vem.
E quando vier, poucas pessoas sentirão minha falta. A negrinha, talvez, que irá herdar meu sobrado. As crianças que passam na rua me chamando de louca, todos os dias. E meus diários. Meus diários que apenas acumularão pó. Ou então serão jogados em algum canto pela negrinha. Esquecidos, para todo o sempre.

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