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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

"Vovó, conta uma história..."

- Vovó, Vovó! Gritava incessantemente. Vovó conta uma história antes de dormir, por favor.
Como resistir àqueles olhinhos pidões? A avó aproximou-se da cama e sentou na poltrona que ficava ao lado da cama da neta. Estava cansada, mas não custava muito contar uma última história antes de ir embora. Olhou seriamente para a criança deitada à sua frente, suspirou e perguntou:
- Você já não é grandinha para esse tipo de coisa, meu bem?
- Ah vovó, papai há tempos não conta histórias antes de dormir. Sinto tanta falta. E a senhora sabe que mamãe não sabe contar direito, não com a magia que você e o papai contam. Sabe, às vezes eu consigo ver as cenas que vocês contam.
A avó,  para disfarçar a emoção que lhe tomara, perguntou à menina.
- Que tipo de história você quer que eu conte querida?
- A que a senhora quiser, vovó.
A senhora parou um pouco, colocou o indicador nos lábios para a neta ver que estava procurando alguma história. Olhou em volta e viu o quarto daquela menina de treze anos. Ursos de pelúcia, bonecas, a escrivaninha onde a menina fazia as tarefas escolares, um pequeno bloco de notas no qual a criança escrevera seus primeiros textos. Sussurrou para si mesma "Tudo bem, vamos lá." olhou para a neta e disse:
- Você sabe as regras, sem nomes, para você imaginar melhor, sem sexos, não direi menino ou menina, apenas "eles"...
- Ok vovó. 
- Tudo bem.

"Há muito não se viam. Não saberiam dizer que sentimento era aquele que surgia. Medo, talvez, mas não poderiam ter certeza. Há quanto tempo não se viam? Meses? Não, anos. Sim, anos. Ficaram ali, parados, tentando lembrar como se movia. Os olhos se cruzaram uma fração de segundo. Um deles, rapidamente, baixou o olhar e sentiu a face quente. Sorriu. Há quanto tempo não sentia aquele rubor? O outro, tão surpreso quanto o primeiro, fez uma expressão indecifrável. Não podiam ficar ali, parados, feito duas estátuas. O primeiro, o que sentira a face esquentar, deu o primeiro passo. Precisava ir, tinha compromissos inadiáveis. Seguiu em frente, indo na direção do outro. Afinal eles iam em direções opostas..."

- Vovó, foi por isso que eles se encontraram? Por que eles iam em direções opostas?
- Sim querida, foi por isso. Agora me deixe terminar...
- Desculpa...
- Ok. Onde foi que eu...
- Eles iam em direções opostas...
- Certo.

"Afinal, eles iam em direções opostas. O outro ficara parado.Talvez, tentando lembrar de como se mexer. A distância, agora, era mínima. O primeiro deles parou um instante, a pouco mais de dois metros do outro. Disse para si 'Vamos lá, você consegue. Não vai ser tão difícil. É só passar.' e continuou caminhando. Aquele que ficara parado, não saíra do lugar. Apenas esperava. Sua respiração, agora, era mais descompassada. Poucos centímetros os separava. Um continuou andando, o outro permaneceu estático. O que é aquilo? Uma troca de sorrisos? Ambos sorriram, um sorriso que há muito não sorriam ou viam sorrir. O primeiro, ao sentir o sorriso, mordeu o lábio inferior. O Outro apenas sorriu. Tudo isso durou uma fração de segundo. Mas, com certeza, ambos sabiam que aquele era o primeiro de muitos reencontros."

- E então querida, gostou da história?
A menina, que pedira ansiosa a história, já não ouvia a voz doce e aveludada de sua querida avó. Agora, ela sonhava com aquele primeiro reencontro. A avó observava a neta, sua imagem e semelhança. Sorria docemente para aquele anjo cândido que agora dormia embalada em sonhos cor-de-rosa e esperava, assim como a criança que agora dormia, ansiosa pela versão que sua neta lhe contaria dias depois.
Levantou-se da poltrona, beijou levemente a face da criança e disse-lhe baixinho:
- Sonhe meu anjo, sonhe.
Apagou a luz do abajur e saiu silenciosamente do quarto.  

Um comentário:

  1. Já faz algum tempo que nãopostava esses textos. Bem... Ontem resolvi fazer este... Já o havia feito mentalmente e eis o resultado... Espero que gostem. (Cereja)

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