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segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Diários de Manuela - Continuação

 Já faz algum tempo que estou devendo a continuação dessa belíssima história contada pela própria Manuela , então pra quem estava esperando essa terceira parte, ai está !!!(Amora)

"Pelotas, 1904. Manuela de Paula Ferreira vive seus últimos meses de vida, e revive as melhores histórias de sua vida. Seus amores, suas tristezas e mágoas. Baseado em histórias reais. Datas também reais. Alguns fatos de ficção."


06 de Outubro de 1904

As horas aqui na Marechal Deodoro, centro de Pelotas, parecem passar rapidamente, porém, não acontece o mesmo dentro das quatro paredes do meu quarto. Hoje a negrinha entrou em meu quarto, fazia dois dias que não a via. A prendi por alguns instantes, perguntando o que se passava na cidade. Ela dizia que a cidade fluia normalmente, crescia aos poucos, enriquecia. Mas na realidade, nada disso me importava. Perguntei à ela sobre os descendentes de Bento, mas ela nada sabia deles. Eram muitos pela cidade. Perguntei também sobre Antônio Gutierrez, filho de Matias Gutierrez, que por sua vez era filho de João Gutierrez, esposo de Mariana. A negrinha não sabia onde estava. Depois que herdara sua charqueada em Camaquã, sumira de vista. E eu mesma sabia, jamais tornaria a vê-lo.
A vida é assim. Temos sentimentos e premonições. Bueno, sei que jamais tornarei a ver nenhum daqueles que partilharam a estância nos tempos da guerra, todos já se foram. E eu sou a mais velha, não há nenhuma história mais que eu possa ouvir, e ninguém quer ouvir as minhas histórias. Os descendentes de Bento estão por aí, mas nenhum deles me visita, ou sequer deseja ouvir uma de minhas histórias. Matias gostava. Matias gostava de me ouvir contar sobre as aventuras de Giuseppe Garibaldi. Matias que sofreu desilusões após voltar da guerra do Paraguai. Matias que agora se encontra abaixo da terra.

Hoje me olhei no espelho, coisa que não fazia hà semanas. Vi no lugar onde estiveram belos fios pretos, cabelos grisalhos e fracos. Porém, os olhos azuis profundos ainda estão a me deixar essa última beleza de minha vida frágil. Olhos guapos estes que Anita não possuira. Por mais bela que fosse, estes belos olhos claros ela não possuira.

E então, hoje, vi o sol poente. O sol poente indo em direção ao ocidente, deixando atrás de si uma rota de seda alaranjada. Os raios que transpassavam as nuvens formavam figuras divinais nos campos ao longo dos pampas. E a minh'alma renascendo, mais feliz desta vez. No alto de meus 84 anos senti o renovar de esperanças dentro de mim. Uma paz profunda, por tanto tempo desejada. Nada hoje mais importava para mim. Apenas o sol longínquo, intocável, e a brisa que as janelas, antes emperradas e agora abertas, traziam para dentro de meu quarto, e deixavam meus cabelos grisalhos e velhos ao sabor do vento noturno.

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